quinta-feira, 28 de abril de 2011

ANTIGAMENTE







Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e prendadas.

Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito.

Os jonatas, mesmo não sendo rapagões, faziam-se pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio.

E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia.(...)

Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno.

Os mais jovens, esse iam ao animatógrafo,
e mais tarde ao cinematógrafo,
chupando balas de altéia.

Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisas de onzes varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n'agua.


(...) Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cumbuca.

Era natural que com eles se perdesse
a tramontana.

A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artiloso.

Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cormos, umas tetéias.


(...) Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, astbma os gatos, os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma
(...) não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.

Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora.




Carlos Drummond de Andrade.
Poesia e prosa.
Rio de janeiro, Nova Aguilklar, 1988.

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