domingo, 5 de junho de 2011

CLARICE LISPECTOR




Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa
atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar?

Assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto,
não se precise.

Estou por assim dizer vendo claramente o vazio.

E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente
maior do que eu mesma, e não me alcanço.

Além do quê: que faço dessa lucidez?

Sei também que esta minha lucidez pode-se
tornar o inferno humano — já me aconteceu antes.

Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis.

Eu consisto, eu consisto, amém.


Clarice Lispector

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